Semanas atrás precisei deixar minha terrinha e bandear para os lados de Beagá. Eu, como bom roceiro que sou, não estava muito animado em passar duas longas horas sacolejando no estômago do coletivo, mas – como o sapo pula é por necessidade e não por boniteza – lá fui eu.
Quando desci no ponto da Praça 7 identifiquei de imediato os aromas característicos de nossa “roça grande”: um misto de dióxido de carbono, fritura, suor e urina… simplesmente um ponta pé no nariz.
Caminhei lentamente pela calçada tentando não pensar no que era composta as poças de água suja em que estava pisando, e aproveitei para dar a tradicional parada na banca do Boy e jogar ideia fora antes de continuar o caminho.
Conversamos algumas banalidades, geralmente sobre política, e logo segui pelo anfiteatro da Rua Rio de Janeiro, que estava como sempre apinhada de hippies e maloqueiros. Eu até curto essa galera. Gosto da maneira como se parecem desprovidos de qualquer tipo de ansiedade ou necessidades.
Enquanto caminhava com cuidado para não pisar na mercadoria da galera ouvi de pronto um dos maloqueiros soltar a sentença: “A praça 7 é o mundo! Aqui nada me falta! ”
O sorriso estampado na cara do sujeito denunciava que não era zoeira: a praça 7 é o mundo! Observei o mais discretamente possível aquele feliz amante do centro de Beagá. O cabelo não era nem comprido, nem curto, e desconfio que o bronze na cara do sujeito não era oriundo apenas da exposição prolongada ao sol, mas que um pouco de sujeira e gordura contribuíam para a textura daquela cútis.
É certo que a muito não tomava banho ou lavava a camiseta esfarrapada e a bermuda rota que vestia. Nos pés o par de havaianas desgastadas quase não era visível (certamente por ser um ou dois números menor do que o camarada calçava).
Fiquei surpreso com a felicidade daquele sujeito tão desprovido de recursos. Parei. Passei para o outro lado do anfiteatro e decidi observar mais aquilo tudo que estava rolando ali.
O hippie conversava animadamente com mais umas três ou quatro pessoas, dando baforadas curtas no cigarro de palha, intercaladas com pequenas goladas numa garrafinha pet. A bebida translúcida só poderia ser a nossa tão querida cachaça, que faz a alegria da rapaziada a preços módicos.
Fiquei pensando na contradição que era uma pessoa aparentemente com tantas restrições, praticamente em situação de rua, dizer que ali “não lhe falta nada”. Nesse momento me veio à mente a conhecida passagem bíblica de Mateus 6:25, onde Yeshua (Jesus) afirma: “por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber, nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes?”
Eu, na ansiedade de minha existência, invejei a vida aparentemente liberta de preocupações daquele hippie. O ambiente parecia estranhamente sereno, desprovido dos cuidados que a iminência do vencimento dos boletos nos obrigam a tomar (rs).
Logo me lembrei de meus compromissos e obrigações (e dos boletos). Voltei a caminhar decididamente pela calçada suja e a cruzar as ruas me desviando dos carros apressados como eu.
Com todas as preocupações da lida diária, aquela pontada de inveja daquele maloqueiro se desvaneceu tão logo parei para tomar uma coca-cola. Decididamente, não tenho vocação para riponga da praça 7…